sábado, 20 de abril de 2013

Tomboy

Me adicionam num novo grupo lésbico... Novo para mim... Mas antigo em questão de tempo e nas baboseiras que são ditas. Não canso de me indignar com a quantidade de machismo e homofobia que rola nas postagens de grupos LGBT...

Então, num deserto de estupidez preconceituosa surge um oasis feministas.

Tema da postagem principal: Você vai em uma balada, e a garota "libera" pra você na primeira noite, você liga no dia seguinte ou não?

Poderia ser muito bem um forum mascu, porque os comentários que se seguiram eram todos do nível "não, ela foi fácil, é uma vadia, não ligaria no dia seguinte"... Oi? Sério mesmo isso?

Mas uma voz se juntou a minha e disse que aquilo era machismo puro, se duas mulheres fazem sexo no primeiro encontro, como uma pode sair achando a a outra é uma "vadia", que é muito "fácil", e ainda se baseando nos seguintes argumentos "se ela fez isso comigo, faz isso com qualquer uma, não quero ser chifruda"... Ótimo! Só espero que elas saibam que segundo essa lógica, não importa quem tomou a atitude ou não, as duas são "vadias"... Inacreditável...

Mas não podia peder a chance de agregar ao meu círculo de pessoas alguém que acha isso igualmente ridículo, mandei uma solicitação de amizade. Mas para minha surpresa, recebo um inbox perguntando se eu não me importava dela ser "diferente"... Quando ela me disse isso, confesso que a primeira coisa que pensei foi "eu sou diferente também..."

Não fazia a menor ideia de qual era a "diferença" dela, mas eu estava feliz por ela ter um pensamento diferente... Falei que não havia problema algum, ela me adicinou ou descobri o "problema" (que na verdade, não era problema nenhum): durante a infância, ela teve um acidente com alcool e boa parte do corpo queimado, e para o meu choque (definitivamente não com as queimaduras dela), ela me confessa que várias garotas adicionam ela, e quando percebem que ela não segue o padrão de beleza vigente, a deletam, simples assim! Não é bonita? Não serve nem pra amiga! Não querem saber o que ela pensa, sente, se tem algo a acrescentar... Zeus... E eu que pensava que a minha pessoa era o próprio símbolo do egoísmo, mas pelo visto tem gente pior.


Começamos a conversar... E por mais que não seja isso o determinante do carater dela, obvio que algo tão marcante como um acidente desse porte me despertou curiosidade, mas não uma curiosidade sádica, mas uma curiosidade empática. Eu nunca passei por algo assim, tive sorte, mas já me imaginei muitas vezes nessas situação... E de uma forma ou de outra, todos temos feridas e deformação, físicas ou não, que causam dor e muitas vezes afastam as pessoas...

Ela disse que devido a tudo que passou, tem uma sensibilidade mais aguçada, e consegue ver "além"... Acho que é verdade, porque não demorou muito e ela me fez uma pergunta seca, na lata... "Você é trans?"

Ninguém nunca tinha me perguntado isso assim, e o máximo que já falei sobre o assunto foram insinuações tímidas para alguns desconhecidos empáticos ou alguns conhecidos de muita confiança.

Muitas pessoas dizem que me admiram porque eu sou muito clara e direta sobre a minha vida, mas esse é um assunto que eu mantenho o máximo possível debaixo do tapete... Mas uma pergunta tão direta, merecia uma resposta direta, e depois de enrolar um pouco, dei o meu "sim"

Ela me perguntou se um dia eu pensava em operar, e minha resposta foi "não", e os motivos são claros e dolorídos:

- Uma operação dessas é cara e dolorosa
- Teria que passar uns bons anos passando por psiquiatras para confirmar essa questão de identidade de gênero.
- Eu sofreria ainda mais preconceito e não teria lugar no mundo.

As duas primeiras razão são mais práticas e portanto mais "superáveis", para mim, o grande problema é tudo aquilo que o tópico 3 traz implícito.

Se num grupo lésbico, de mulheres que amam mulheres, vamos tantos machismo e homofobia, transforbia então nem se fala. Se formos pensar um pouco nas mulheres trans, boa parte delas, para não dizer a grande maioria acaba caindo na prostituição porque o preconceito é avassalador, elas realmente não tem lugar no mundo, não são vistas como mulheres...

E quanto a mim? Já não bastasse todos esses preconceitos tão evidentes, ainda tem os pequenos preconceitos do dia a dia. eu tenho 1,58m, e seria um cara incrivelmente baixinho, e todo mundo sabe que homens não podem ser baixos, certo? é um outro preconceito implícito.

Ao contrário da operação para mulheres trans, as operações para homens trans ainda estão em nível de teste, e não vejo nenhuma previsão de avanço.

Eu já sofro muito preconceito por ser uma "lésbica masculina", imagina isso... Mulheres heteros querem um "homem de verdade" (argh... esses locução adjetiva me dá nauseas, de tão machista, afinal, você nem precisa ser um homem trans, se for um homem cis e chorar vendo uma comédia romântica, você já não é homem de verdade, imagina isso)... E as lésbicas... Bem... As lésbicas querem mulheres...

Já me sinto uma colcha de retalhos, se eu escolhesse esse caminho, me mudem logo de colcha para monstro: eu seria um frankeinsten, sem nenhum lugar no mundo. Sempre incompleto, ou incompleta, com todos os estigmas sociais possíveis.

Minha mãe quase teve uma ataque cardíaco quando comprei mei primeiro terno, como eu poderia virar e dizer "mãe, sou um cara, sabe?"... Não... Ela não sabe... Porque uma das frases favoritas dela para mim é "quando você nasceu, o médico disse que era uma menina e eu acreditei"... E não só ela... Todo mundo... Até eu... Por muito tempo...

Acho que nunca imaginei que chegaria o dia em que eu fosse dizer "ser lésbica é o caminho mais fácil"... Isso seria sair do armário de novo... Seria ser apontada de novo, caçoada de novo, ficar novamente sem saber onde pertenço...

Mas tem o outro lado da equação... O lado de você olhar no espelho, todos os dias, e buscar ver através daquilo... Mesmo quando eu não entendia claramente o que procurava...

Eu tenho uma lembrança muito antiga da minha infância... eu devia ter 6 anos no máximo, e no meu aniversário ganhei minha primeira camisa polo, e eu fiquei encantada... E toda vez que eu ia sair, eu queria usar aquela camisa, bermuda e tenis, enquanto todo mundo tentava me torturar psicologicamente para colocar um vestido e sapatílha... E minha mãe uma vez me disse que eu estava proibida de usar aquela camisa, porque me fazia parecer um garoto. então eu chegava em casa da (pré) escola, e vestia a camisa, a bermuda, o tenis, e prendia o cabelo e ficava me olhando no espelho... E depois ia brincar com os carrinhos que eu conseguia com o meu irmão (eu dava minhas bonecas em troca para ele). Então quando via que já tava na hora da minha mãe chegar, escondia meus brinquedos de "menino", colocava a camisola, e tava tudo certo...

E assim até hoje... E a vida já é difícil assim... As pessoas já me acham ridículas por como me visto... E mesmo as garotas dizem que eu era mais "bonita" de lady... E eu digo simplesmente que me sinto melhor assim... Mas não me sinto melhor ouvindo constantemente o como tenho que deixar o meu cabelo crescer, ou como deveria me vestir, ou como devo agir...

Por outro lado, se eu assumisse de vez, acho que não seria surpresa, afinal não foi uma nem duas vezes que ouvi que sou uma garoto.

Ouvi muito isso esse ano. No carnaval uma amiga da minha irmã comprou uma máscara que não ficou bem nela... Então eu pedi para experimentar e ela disse "acho que comprei uma máscara masculina, porque em mim ficou ruim, na sua irmã ficou ruim... Mas no seu irmão, no argentino e em você ficaram muito bem"...

Ou então minha prima dizendo que eu era o maior "canalha da equipe", e "mais homem que qualquer um ali"...

Mas uma coisa é isso no nível das piadas, outra coisa é o mundo real, e já adianto pra vocês: não tem a menor graça...




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