quarta-feira, 17 de abril de 2013

Capítulo 1: A vida como ela é

PRÓLOGO DO CAPÍTULO 1

Risco o isqueiro
A chama me fascina
Talvez por isso tenha este nome
O fogo nos chama
Quero aquele calor em mim

Acendo um cigarro
Desejando que a chama me ascenda
Não sou assunta aos céus
Meus pés e minh’alma continuam no chão

Não é a chama que entra em mim
Mas uma fumaça contaminada
Que ainda sim me preenche
Mas num suspiro, me abandona

O vazio me escraviza
Cada vez mais acho que a liberdade é ilusão
Copo cheio coração vazio
De tudo que vivi, só restou a solidão


CAPÍTULO 1

Sophia estava na varanda fumando um cigarro, já era madrugada, mas ela não estava com sono. Era uma criatura da noite. Ou será que seus hábitos fizeram dela uma pessoa noturna?

Não fazia questão daquele cigarro, mas o hábito... Ah! O maldito hábito. Ela poderia ter sido uma excepcional pianista, se talvez tivesse nascido em outra família que tivesse condições financeiras e inclinações ideológicas para músicas. Ela poderia ter sido colocado na aula de piano aos 3 anos de idade e agora estaria tocando em algum teatro Europeu, ou na África, vai saber?

Mas ela estava na varanda de uma casa comum, em uma cidade média periférica comum, com uma vida comum, seguindo seus ritos não declarados enquanto pensava na vida que não teve. Ela era incapaz de diferenciar um dó de um ré, mas ainda sim, provavelmente em um Universo paralelo ela era uma excelente pianista. E em outro era uma famosa atriz em sua casa de veraneio, e em outro já teria sido morta ou se envolver no tráfico internacional de drogas.

A vida que não temos sempre parece mais interessante e glamourosa que aquela que vivemos. Mas vamos encarar os fatos: uma magra porção da população mundial fez algo digno de nota. A maioria de nós, como Sophia, estamos acendendo nossos cigarros em nossas vidas normais. Buscando uma forma de não só sobreviver, mas de dar sentido a tudo isso.

Quem nunca colocou algumas músicas em sequência e disse que era um DJ, ou então comprou uma máquina fotográfica que cobre metade do rosto e se auto-intitulou fotógrafo, escreveu alguns versos de quinta categoria rimando emoção com coração e se achou poeta, fez alguns rabiscos no papel para se sentir o novo Picasso, fez algum comentário estúpido em alguma matéria jornalística e então se sentiu um verdadeiro formador de opinião.

Todos procurando o seu lugar ao Sol, mas talvez o grande problema seja que o Sol nasceu igualmente para todos. Todos somos terrivelmente iguais. E até os aclamados gênios, celebridades, sucessos não passam de figuras patéticas numa convulsão insana na tentativa de se sentirem especiais, diferenciados. Mas o que isso significa no final? Um animal tão desprezível como o ser humano, em um planeta tão periférico e ignorável quando e terra, vivera com sorte até os seus 80 anos, e mesmo que a posteridade guarde seu nome, com uma sorte assustadora, seu nome será gravado no máximo por 5 bilhões de anos, quando nossa querida estrela Sol (que até lá continuará nascendo para todos), explodirá acabando com qualquer resquício da existência de uma planeta chamado Terra, e um raça chamada "humanos" (pelos próprio humanos, aliás).

Mas Sophia não pensava em nada disso, somente na vida que não teve e na vida que esperava ter. Talvez não fosse a glória do sucesso, mas sucesso de viver a glória de um grande amor.

Ah o amor! Sem dúvida a melhor invenção dos seres humanos! Um sentimento supostamente complexo e sem explicação, mas que na maior parte das vezes não passa de uma desculpa para as pessoas agirem de forma patética e auto-destrutiva! Uma forma perspicaz de continuação. Não só porque esse tal amor é a principal desculpa para o ato sexual que gera a procriação, mas porque o amor é a própria mitose do ego, pois quando dizemos "amar alguém", geralmente o que estamos dizendo é "encontrei alguém parecido e/ou oposto o suficiente para que eu possa me espelhar nele".

E boa parte do que chamamos amor é esse processo de espelhamento, tentamos mudar e moldar o outro para que através das semelhanças e/ou diferenças possamos ter uma bela imagem desdobrada de nós mesmos e assim, buscarmos o tão ansiado sentido da vida.

Mas novamente, Sophia não pensava em nada disso, isso não passa de licença literária de um narrador onisciente ressentido, que se aproveita da sua posição de observador para fingir que está acima do bem e do mal através de uma posição de suposta neutralidade. Sophia queria se apaixonar! Queria sentir o coração bater acelerado novamente sem ser porque teve que correr atrás do ônibus que por pouco não perdeu!

Ela não se importava se essa sensação era verdadeira ou falsa, pois amar alguém sempre parece ser real, e mais do que isso, faz a realidade parecer mais real. Os sentidos ficam aguçados e a mente embaçada, então não pode haver dúvidas: você vê, você sente. Sente aquele Sol quente que inunda e ilumina o seu rosto girando em volta da Terra, então não importa o que a ciência diz, o real é a sensação.

O ponto de vista cria o objeto, e quando o observador se funde ao objeto observado na ânsia de se tornar um só com ele, diante do seu ponto de vista para buscar a completude, essa é a origem de todo o amor.

Entretanto, Sophia ainda tinha um coração partido, apesar de cientificamente o coração nada ter a ver com as ilusões fisiológicas de sentimentos, aquele aperto no peito nós dá a certeza de que é o coração que se partiu, assim como temos certeza que o Sol gira em torno da terra.

Tantos encontros fortuitos e tantos infortúnios! O amor da sua vida poderia estar em algum barzinho nesse exato momento, mas ela tinha escolhido ficar em casa, então jamais saberia. Esse suposto encontro era tão surreal como o concerto que ela poderia estar fazendo em Paris agora mesmo!

Mas é sempre a vida que não vivemos que nos move, assim como o que nos dá força para prosseguir é o Sol que ainda vai nascer, e não aquele que já se pôs, apesar de o Sol nem ao menos ter se mexido.

Grande parte das pessoas conhece a história da caixa de Pandora, mas para quem não conhece, vale um resumo. Prometeu criou os homens, e para proteger e beneficiar sua criação, deu para eles o fogo. Mas os homens, imersos em suas soberba, desafiaram Zeus, o grande Rei do Olimpo. Então como punição, o fogo foi retirado dos homens. Mas Prometeu era um cara insistente, e roubou o fogo do Sol (ahhh o Sol! Que desde os gregos, nasce para todos), e devolveu para os homens. Claro que Zeus não ficou feliz, então ele acorrentou Prometeu em uma rocha por toda a eternidade, e durante o dia uma águia vinha e comia o fígado do Titã, e durante a noite seu fígado se reconstruía, simplesmente para poder ser novamente comido no outro dia. E como punição para a humanidade, como Prometeu tinha uma irmão meio estúpido chamado Epimeteu, Zeus fez uma mulher (a primeira mulher), e deu a ela um cesto, e neste cesto ele colocou todos os males do mundo, porque até então não havia doenças, guerras, morte, nada disso. E mandou essa mulher para Epimeteu com a seguinte recomendação "não abra o maldito cesto", mas adivinha? Epimeteu se apaixonou por Pandora e casou com ela, e um dia, não aguentando de curiosidade, ela abriu o cesto (caixa) e liberou todos os males no mundo, e quando ela tentou fechar, só conseguiu prender lá dentro a esperança.

Eu poderia fazer mil analises sobre esse história. Por exemplo, como no caso do Prometeu não era nem um pouco interessante o novo nascer do Sol, ou como esse mito privilegia a astúcia, enganação e a lei do mais forte, como se assemelha ao mito bíblico de Adão e Eva. O como os antigos eram terrivelmente machistas. Mas vamos falar da Esperança.

Vocês não acham estranho que a Esperança estivesse junta com todos os males do mundo? E porque foi a única coisa que restou? A maioria vê a esperança como um bem. Mas esperança não tem a mesma origem e basicamente o mesmo significado que esperar? A esperança é paralisia. Quando esperamos por tempos melhores, esperamos que as coisas se ajeitem, ou qualquer outra esperança, estamos sendo idiotas! Paralisados por aquilo que parece um bem, mas que está preso na caixa de Pandora. E se essa caixa fosse uma metáfora para cada um de nós? Talvez a esperança seja o grande mal que todo mundo já traz aprisionado dentro de si.

Mas Sophia não sabia de nada disso, então, vencida pelos seus hábitos não tão noturnos quanto ela gostava de achar, adormeceu na esperança do amanhecer de um novo dia.

Capítulo 2

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