domingo, 9 de dezembro de 2012

Slut-shamming, homofobia, racismo, maltrato contra animais e muitos berros

Sei que é algo bem egoísta, mas minha maior mágoa com relação a Aline não foi referente às brigas, aos desentendimentos, ao ciúmes.. Afinal, entendo que todo o relacionamento apresenta situações assim.

O que mais pesou, além da distância, foi minha queda direto para o abismo. 

Quando eu casei com a Patrícia eu consegui o milagre pelo qual eu rezei minha vida toda: PAZ! Tranquilidade! Sossego! Harmonia! 

Claro que no começo não foi fácil, eu fui criada, educada, adestrada para viver em guerra, ninguém muda do dia para noite. Mas a Patrícia era extremamente paciente, carinhosa, atenciosa, nunca revidava, conversava comigo, esperava a situação esfriar, e aos poucos, meus nervos foram esfriando. Eventualmente, uma vez ou outra ou surtava, aumentava o tom de voz (nunca gritei, mas falava de forma mais raivosa), virava as costas e ia embora. Mas era raro, muito raro... Talvez acontecesse com muito mais frequência do que acontece com pessoas normais, mas para mim, aquilo era quase um milagre: eu diminui meus surtos em 90% (apesar de mesmo assim, continuar sendo mais zangada que 80% das pessoas).

Mas principalmente, eu achei minha paz interior. Eu deitava na cama, assistia um seriado e aproveitava. Eu comecei a gostar de cozinhar, e as receitas que eu fazia saiam muito gostosas, eu tinha prazer em arrumar a casa, e em gastar o dinheiro que eu ganhava comprando coisas para a casa. Eu sentia que eu tinha um lar.

Eu me apaixonei pela Aline, eu me apaixonei completamente por ela. Eu enlouqueci pela Aline. Eu poderia ter tentado manipular todo mundo e levar aquilo como uma caso extra-conjugal, já que eu tinha um relacionamento aberto, mas não seria justo com ninguém. Eu queria ela e só a ela.

Mas concretizar esse desejo significaria abrir mão de tudo que eu tinha conquistado. A questão é que ela durante nossas conversas me deu a impressão de dizer (ou será que eu que quis ouvir?) "Pode pular, eu seguro sua mão". E eu saltei, com a fé cega que ela estaria ali para me segurar, que sairia de uma vida para poder entrar em outra. Mas ela não me segurou.

Não acho que ela tenha me largado por maldade, só acho que ela superestimou o tamanho dos próprios braços, ou a força que tinha para carregar todas essa bagagem, mas não deu, não me alcançou, e sem me alcançou, não teve força de me apoiar. E como eu já disse, eu tive que mudar toda minha vida, e ele nem ao menos alterou a própria rotina...

Isso no começo não foi tão ruim, não surtiu tantos efeitos negativos, e eu pensei que não fosse surtir. Mas bastou pouco tempo para eu me lembrar o porque meu maior desejo era sair daqui...

É desesperador você ter que conviver com tudo aquilo que você considera mais baixo na humanidade todos os dias, a todos os momentos...

Minha mãe é a única que se salva. É desesperador todos o resto fazendo slut-shamming, querendo ser fiscal da vida dos outros, especialmente da vida sexual... Chamando diversas mulheres (da própria família, e desconhecidas) de "vadias", "vagabundas", ou querendo contabilizar os parceiros sexuais delas... Ter que ouvir que negros são macacos, que negros são inferiores, que "negro quando não caga na entrada caga na saída", e ainda ver todo o resto das pessoas rindo dessas atrocidade. E de nada adianta eu falar que isso é racismo, que racismo além de feio e vergonhoso é crime... Que já vem todo mundo me olhar feio vendo que eu não entendo que aquilo é "só uma piada", ou que é "opinião pessoal", e não racismo. E de nada adianta eu dizer que não é possível ter "opinião pessoal" sobre 50% da população brasileira, sendo que você basicamente nem convive com negro nenhum. Mas a errada sou eu!

Fora os comentários homofóbicos, porque no meu caso, como se não bastasse a slut-shamming, ainda tenho que ouvir considerações sobre a forma que me visto, ouvir que "me exponho demais", ouvir que "se eu fosse mulher", ou que "quando eu nasci, o médico disse que era uma menina, e não isto" (virei objeto agora!), que homossexualISMO não é normal, não é coisa de "Deus", que gays são promíscuos! Pior que isso, só um irmão gay que é machista, homofóbico e transfóbico! Que fica dizendo que meninos não podem bricar de boneca porque cada coisa tem seu lugar no mundo, que "mulher é meio tontinha mesmo",  que "tinha que ser mulher dirigindo!", ou que "odeio bichinha afetada", "ai que raiva de bicha pobre", "ai! que nojo que é que pode se sentir atraído por um homem que quer ser mulher? Isso não é natural".

Fora ver a forma que meu cachorro é tratado! Porran! o Bichinho já tem 12 anos de idade, deixa ele paz! Minha irmã deve achar bonito a forma que meu sobrinho está crescendo e não faz nada para tentar reeducá-lo. Só sei que o bicho fica desesperado e não sai da minha cola porque eu sou a única que defendo ele. Ele passa o dia todo apanhando, levando chute, tendo os pelos puxados, está sempre tremendo de medo e com o olhar assustado. Meu amigos quando vem aqui em casa, ficam indignados e revoltados.

Foram que minha irmã acha que aqui é... Não tenho uma palavra para definir o que ela acha! Ela vem aqui no almoço, come a comida que a minha mãe faz, volta depois do serviço e janta (e não ajuda a comprar comida, ou a pagar qualquer conta), os dois filhos dela ficam aqui todos os dias durante a semana, e até pouco tempo era minha minha que lavava e passava as roupas dele (e agora ela acha ruim porque minha mãe está mandando tudo para casa dela). Enfim, ela trabalha o dia todo, e minha mãe cuida dos filhos dela o dia todo, ela vem a noite, dorme na cama da minha mãe, janta e vai embora, ela não dá atenção para dos filhos e não ajuda mesmo quando está aqui. Então é melhor que não esteja! Literalmente! Porque quando ela está, ela grita! grita... GRITA! G-R-I-T-A! Ela nunca deu amor e atenção para os filhos e quer resolver no grito, e quando o grito não adianta, ela bate...

E meu tio grita com as crianças... Ele é escroto! Ele ensina elas a mentir, e quando elas mentem, ele recrimina ela, briga, humilha, grita. Ele prende elas a força, e diz "eu estou fazendo isso porque te amo", ele obriga elas a fazerem coisas escrotas (bem como ele fazia comigo - e só de lembrar o sangue ferve) e enquanto ele às humilha e expões (seja com abraços e beijos forçados, seja tirando as roupas delas as força para fazer alguma "brincadeira", seja segurando elas e impedindo qualquer movimento para mostrar "quem é que manda") ele repete "eu te amo! Jesus te ama! Eu te amo! Jesus te ama"

Isso é um sanatório! Minha mãe também grita, mas eu tenho pena da minha mãe, ela é doente, cansada, não tem tempo para ela, e tem que cuidar de duas crianças muito mal-criadas que nasceram e cresceram numa ambiente traumático. Ela grita, e depois faz cara de culpada e diz "não é bom gritar com crianças, você ensina com exemplos e não com palavras, estou ensinando elas a gritar..."

Eu acordo com gritos e guinchos... Eu me sinto aprisionada. Eu tenho pesadelo quase todas as noite, eu sonho que não consigo me mexer, ou que não consigo acordar, ou que estou sufocada, eu acordo em pânico quase todas as manhã. 

Eu cresci, fui educada e adestrada para ser violenta. Para entender que o mais forte ganha, que mulheres são inferiores, que gays são aberrações, que negros são escória, que quem te violenta faz isso porque "te ama". Eu me esforcei tanto para tentar deixar pelo menos um pouco de tudo isso para trás, voltar para cá é reviver meu pior pesadelo...

Mas tenho pena da minha mãe... Talvez se hoje eu sou um pouco diferente de tudo isso, é porque eu convivia e conversava mais com a minha mãe, ela é diferente, sempre foi... Hoje fiquei feliz. Como está muito calor, ela foi enrolar doces de madrugada, e eu ajudei ela, e não tinha mais ninguém disputando atenção... Porque isso é outra coisa que sinto falta: quando eu era casada, eu era visita, então ela me ouvia, prestava atenção. Aqui eu não tenho atenção, e quase o dia todo as crianças aprontando algo, ou quando começo a conversar com ela já vem o coro "vovó, vovó!", ou quando as crianças não estão, estou conversando, mas aparece o supremos-juiz da moralidade alheia, e não posso mais conversar com a minha própria mãe: ele não deixe... Mas hoje eu tive um pouco dela só pra mim. E a gente riu, e conversou, e falamos sobre feminismo, MPB, sobre a Aline, sobre minha viagem para Minas... Ela me ouviu, e fez piada, e rimos juntas... Mas aí o "Juiz" chegou... Coloquei meu fone de ouvido para não ter que ouvir ele chamando uma prima minha de "vadia idiota", porque aquilo me sobre o sangue.

Mas tive que acordar com berros! Porque minha irmã não só usa a casa da minha mãe como depósito para os filhos, como ainda reclama porque aqui não é como ela quer que seja! Está reclamando porque a casa está uma bagunça, afinal, eu estou pintando a sala, com as minhas próprias mãos e sozinha, lógico que não sou tão rápida quanto uma profissional, mas como pode a casa estar tão bagunçada! E bom, ontem a noite cortei meu cabelo sozinha, porque não enho dinheiro pra ficar indo em salão, limpei o banheiro, mas sobraram alguns fios, e tive que ficar ouvindo berros e como aquilo era uma nojeira! E depois gritos delas com os filhos, e depois ela correndo atrás dos filhos e dando-lhes uma palmada... Um tapinha dói... Dói até em mim...

Eu sei que estou magoada com a Aline, mas por outro lado sei que ela é uma boa pessoa, uma pessoa que teve tantos traumas e conflitos quanto eu, e sei também que se ela soubesse a dimensão do abismo que eu estava prestes a cair, ela teria se esticado mais ou segurado mais forte...


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